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Gilmar mantém acórdãos do STJ que vetaram RIFs por encomenda sem crivo judicial

É necessária autorização judicial prévia para o compartilhamento de relatórios de inteligência financeira (RIFs) com as autoridades de persecução penal, quando forem solicitados diretamente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

26/8/2025

A conclusão é do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que julgou improcedente uma reclamação ajuizada pela Procuradoria-Geral da República na tentativa de validar o uso desses relatórios em investigações criminais.

O processo atacou os acórdãos da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça em que ficou definido que, até que o Plenário do STF pacifique a questão, os chamados RIFs por encomenda são ilegais e causadores de nulidades de provas.

Trata-se de tema que vem dividindo a jurisprudência brasileira a partir de um desdobramento da tese firmada pelo próprio Supremo em 2019.

A 1ª Turma do Supremo vem validando o compartilhamento por encomenda, enquanto a 2ª Turma vem invalidando, apesar de haver indícios de que essa questão pode ser unificada no âmbito desses colegiados mesmo.

Além disso, o Plenário do STF já reconheceu a repercussão geral do tema dos RIFs por encomenda.

Na última semana, o ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso em que o STF vai decidir a constitucionalidade dos RIFs por encomenda, determinou a suspensão de todas as decisões judiciais que vetaram o uso dos relatórios encomendados por órgãos persecutórios — inclusive as do STJ.

A decisão atendeu ao pedido da Procuradoria-Geral da República, por conta da postura que o Superior Tribunal de Justiça vem adotando quanto ao tema.

RIFs por encomenda

Para Gilmar, a posição que exige a autorização judicial antes que o Coaf produza os RIFs a pedido dos investigadores assegura que as autoridades públicas se submetam à Constituição e respeitem a cláusula de reserva de jurisdição.

“Essa posição não impede o exercício legítimo das atribuições dos órgãos de persecução criminal”, disse o ministro. Advogados ouvidos pela revista eletrônica Consultor Jurídico e ministros do STJ já se manifestaram no mesmo sentido.

A decisão do ministro Gilmar ainda destaca que a questão dos RIFs por encomenda não é idêntica ao que o STF decidiu sobre o acesso a dados do Coaf em 2019. Essa diferenciação é de suma importância para a definição da legalidade do acesso a essas informações.

Primeiro, o Supremo decidiu que, quando um servidor da Fazenda ou do próprio Coaf identifica indícios de prática delituosa pelo contribuinte, ele pode elaborar a representação fiscal para fins penais ou o RIF e remetê-la ao Ministério Público.

“O caminho inverso — requisição direta do Ministério Público — não encontra respaldo na jurisprudência do STF, o que também se aplica à autoridade policial”, apontou Gilmar Mendes.

“Essa evolução jurisprudencial revela, com clareza, que a situação ora enfrentada não encontra amparo direto e específico no Tema 990, motivo pelo qual não se pode falar, propriamente, em descumprimento de precedente vinculante com aderência estrita, a justificar, de plano, a procedência da presente reclamação”, acrescentou.

Razão de existir do Coaf


Para o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, do Bottini & Tamasauskas Advogados, a decisão de Gilmar fez valer o que determina a lei de lavagem de dinheiro e ocultação de bens.

“A razão de existir desse órgão é justamente definir quais são as informações relevantes e repassá-las às autoridades. O inverso não parece possível. Se as autoridades pudessem pedir diretamente informações ao Coaf, esse órgão seria desnecessário e inútil. Bastaria obrigar diretamente bancos, corretoras imobiliárias, ou outros órgãos a prestar tais informações”, disse.

“Nunca foi essa a intenção do legislador. Se o Ministério Público ou a polícia querem obter dados sigilosos, basta fundamentar e pedir autorização ao Poder Judiciário.”

Fábio Dutra, sócio do Fábio Dutra Advogados, também endossa a decisão do decano. “Apesar de a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal entender serem válidas investigações originadas de relatórios de inteligência financeira do Coaf, a decisão do ministro Gilmar Mendes está em consonância com a jurisprudência da 2ª Turma e com o que foi decidido pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.”

O advogado Eduardo Carnelós diz que a decisão de Gilmar “reitera o que o Supremo já decidiu em inúmeros outros casos”.

“Realmente, há uma enorme diferença entre uma comunicação do Coaf às autoridades, feita a partir de constatação de indícios de prática de crime, e a requisição dessas autoridades ao Coaf, para que este obtenha informações relativas a atividades financeiras de alguém, sem autorização judicial. Até porque, para que o juiz o autorize, é necessário que se demonstre a existência de indícios prévios de prática de crime, para então justificar a quebra do sigilo e a busca por mais dados da movimentação financeira.”

O criminalista Rodrigo Dall’Acqua aponta que a decisão de Gilmar pode limitar usos abusivos de relatórios do Coaf.

“A decisão do ministro Gilmar Mendes não prejudica em nada o combate à lavagem de dinheiro. Para ter acesso aos relatórios do Coaf basta pedir autorização judicial, assim como a polícia e o MP fazem para acessar extratos bancários ou obter uma busca e apreensão. O controle judicial precisa ser retomado, cada vez mais a polícia tem usado os relatórios do Coaf para ‘fishing expedition’ em investigações vazias.”

Já o advogado Alberto Zacharias Toron opina que a decisão do ministro “consagra a ideia de que para se obter um RIF é essencial à mediação do juiz”.

“Em outras palavras, não se pode permitir que o delegado de polícia ou o próprio ministério público façam requisições de relatórios de inteligência financeira, uma vez que é fundamental para o controle da legalidade do pedido e se evitar eventuais “pescarias”. O juiz deve fazer o controle da legalidade do pedido e definir a sua correção. Essa decisão reafirma direitos e garantias individuais do cidadão e, mais especificamente, vela pela preservação de dados que atinam com a intimidade do indivíduo.”

O criminalista José Roberto Batochio também elogiou a decisão de Gilmar. “As garantias constitucionais não podem e não devem ser jamais afastadas sem que essa providência (excepcional) seja autorizada pelo Poder Judiciário. Postulado básico do Estado Democrático de Direito. Não há circunstância, necessidade repressiva, agenda ou populismo que possa superá-lo”, disse.

Tema quente

A ConJur já mostrou que, em dez anos, o número de RIFs por encomenda aumentou 1.300%. No ano passado, o Coaf entregou uma média de 51 relatórios por dia aos órgãos habilitados.

Já a Folha de S.Paulo publicou que, em 2024, foram registrados 13.667 pedidos de RIFs ao Coaf pelas polícias civis, número 114% maior que os 6.375 feitos em 2021.

O risco é de transformar o imenso banco de dados do Coaf em um repositório de dados à disposição dos investigadores, com informações que, inclusive, não representam prova, mas apenas indica onde obtê-las — são como “mapas de calor”.

Fonte: Conjur.