Desconsideração da pessoa jurídica vira remédio para todas as dívidas
A fim de coibir práticas abusivas e garantir a satisfação de créditos, a legislação brasileira prevê o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ), mecanismo que permite estender aos sócios as obrigações assumidas pela empresa, redirecionando a execução da dívida da pessoa jurídica para a pessoa física.

Esses conflitos estão entre os temas mais recorrentes em Direito Empresarial nos tribunais estaduais, segundo dados do DataJud, o painel de estatísticas do CNJ. Em 2024, foram 7.038 demandas, o segundo tema mais discutido em Direito Societário — vem na sequência das ações que discutem dissolução de sociedades.
O CPC de 2015 tem o Capítulo IV dedicado exclusivamente a esse instrumento. Já o artigo 50 do Código Civil prevê a chamada teoria maior da DPJ, que exige prova concreta de abuso da personalidade jurídica, seja por desvio de finalidade, seja por confusão patrimonial. A teoria menor, aplicada nas relações de consumo, é mais flexível: o Código de Defesa do Consumidor permite a desconsideração com a simples demonstração da insolvência ou da existência de obstáculo ao ressarcimento, sem necessidade de comprovar fraude ou abuso.
Mas até em casos em que não há relação de consumo, a Justiça de São Paulo, no primeiro grau, tem apresentado decisões divergentes quanto às possibilidades de desconsideração. Em alguns julgados, relativiza os critérios de abuso da personalidade jurídica e autoriza o uso do instituto apenas com base na ausência de bens em nome da executada.
Para o advogado Fábio Ulhoa Coelho, professor de Direito Comercial da PUC-SP, nos últimos anos, o instrumento teve sua aplicação distorcida pelo Judiciário. Segundo ele, originalmente concebido para responsabilizar sócios em casos de ilícito, fraude ou manipulação da autonomia patrimonial, acabou sendo ampliado de forma inadequada por tribunais, que passaram a admitir a sua aplicação sempre que a empresa não tinha recursos para pagar credores. “Virou uma panaceia”, disse, em palestra recente sobre Direito Empresarial em São Paulo.
Ulhoa ressalta, contudo, que essa interpretação tem sido superada e que, atualmente, tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto tribunais estaduais têm reafirmado a necessidade de prova de desvio de finalidade ou confusão patrimonial, conforme o artigo 50 do Código Civil, aprimorado pela Lei da Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), que reforçou a limitação do uso da DPJ.
A 3ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP negou pedido de uma empresa para reverter decisão de primeiro grau que rejeitou a DPJ justamente pela ausência de indícios concretos de fraude ou ocultação de patrimônio. Entendimento semelhante teve a 3ª Turma Cível do TJ do Distrito Federal, que em 2024 concentrou a maioria das demandas sobre o assunto no país. “A inadimplência, por si só, não é causa suficiente para o deferimento da desconsideração da pessoa jurídica, por se tratar de medida excepcional. O deferimento indiscriminado desta medida pode vir a fragilizar a separação entre o patrimônio da empresa e o dos seus sócios, e acarretar insegurança jurídica”, disse a desembargadora Ana Maria Ferreira da Silva.
Em recurso repetitivo, o Tribunal Superior do Trabalho discutirá se a Justiça do Trabalho tem competência para julgar esses incidentes.
ANUÁRIO DA JUSTIÇA DIREITO EMPRESARIAL 2025
ISSN: 2965-4580
Número de páginas: 172
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Fonte: Conjur.