STJ define Selic para correção de dívidas e indenizações
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) bateu o martelo e concluiu julgamento que definiu a Selic como índice a ser aplicado na correção de dívidas civis e indenizações.

A análise do mérito ocorreu em março, mas a proclamação do resultado só ocorreu ontem após a análise de três questões de ordem apresentadas pelo relator do caso, o ministro Luís Felipe Salomão, que poderiam anular a decisão tomada pela maioria.
Uma das questões suscitadas por Salomão foi que dois ministros - Og Fernandes e Francisco Falcão - não estiveram presentes na sessão que analisou o mérito, o que ensejaria a nulidade do julgamento. Ele também pediu esclarecimentos sobre o método de cálculo da taxa Selic a ser utilizada. Uma mudança no Código Civil, com a edição da Lei nº 14.905/2024, porém, resolveu essa questão.
A nova norma, publicada no Diário Oficial da União em julho, estabeleceu novas regras para a atualização monetária e a aplicação de juros em casos de inadimplência. Devem ser aplicados, respectivamente, IPCA e Selic. Para o cálculo dos juros, deverá ser deduzido o índice de atualização monetária. Se a diferença entre esses valores for negativa, a taxa de juros considerada será zero para o período de referência.
A metodologia de cálculo e a forma de aplicação desses juros serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil (Bacen). Até a edição da lei, prevalece o entendimento da Corte Especial do STJ.
“Minhas preocupações ficaram todas sanadas quanto à aplicabilidade para o pretérito e para o futuro em relação a questão da taxa Selic", afirmou Salomão. A presidente do STJ, Maria Thereza Rocha de Assis Moura, reforçou então que ficava “ratificado o resultado do julgamento que já havia sido proclamado no dia 6 de março”.
Em março, a votação foi acirrada e a presidente foi responsável pelo desempate. Salomão foi voto vencido, entendendo que deveriam ser aplicados os juros de 1% ao mês mais correção monetária, conforme o índice adotado pela tabela do tribunal onde o caso for julgado(INPC ou IPCA, por exemplo). Ele foi acompanhado pelos ministros Antônio Carlos Ferreira, Humberto Martins, Herman Benjamin e Mauro Campbell Marques, que havia pedido vista.
O voto vencedor foi do ministro Raul Araújo, seguido pelos ministros Benedito Gonçalves, João Otávio de Noronha, Maria Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e a presidente. Para Araújo, a aplicação da tese de Salomão conduz a uma situação em que o credor obtém remuneração muito superior à de qualquer aplicação financeira, pois os bancos vinculam-se à Selic. Para ele, não existe razão para se impor uma alta taxa ao devedor (REsp 1795982).
O ponto central da discussão no STJ foi o artigo 406 do Código Civil. Esse dispositivo determina que os juros moratórios, se não estabelecidos em contrato, serão fixados pela taxa em vigor para o pagamento de impostos devidos à Fazenda.
A decisão agora vale para todas as situações em que a correção não for previamente convencionada. Isto é, quando houver pedido de indenização que não decorrer de relação contratual - por acidentes ou danos ambientais, por exemplo - ou dívidas decorrentes de contratos sem o índice.
Segundo Caio Fink, sócio do Machado Associados, a conclusão do relator foi que a aplicação só da Selic seria inapropriada. “Ela acrescenta juros, atualização monetária e depende de política econômica, então pode não ser a correção adequada”, disse Fink. A nova lei editada no mês passado, que altera o artigo 406 do Código Civil, acrescentou, busca solucionar essa questão. “Para não ter dupla atualização monetária, determinou-se que seja feita a dedução do IPCA, para, assim, se extrair efetivamente a taxa de juros.”
A advogada Isabela Pompilio, sócia na área de contencioso de TozziniFreire Advogados, destacou que o julgamento do STJ beneficiará especialmente os devedores. “A adoção da Selic sem capitalização mensal para dívidas civis representará encargos moratórios inferiores aos que eram adotados anteriormente”, afirmou Isabela.
Ela lembrou que a Selic dos últimos 12 meses, sem soma dos acumulados mensais, representa 11,94%, enquanto só os juros moratórios de 1% ao mês da regra anteriormente adotada representariam 12% ao ano livres. “O regime anterior, de fato, era demasiadamente oneroso para os devedores, ainda mais se considerado que o STJ também decidiu recentemente que o depósito judicial do valor da dívida não estancava a mora”, completou.
A especialista alertou, no entanto, que nem todas as dúvidas foram esclarecidas com a publicação da nova legislação. “Apenas com a publicação do acórdão poderemos ter certeza se teremos Selic simples ou composta”, disse ela. “Imagino que deverá ser a Selic simples, sem soma dos acumulados, em razão da vedação da Lei de Usura e da própria natureza moratória que visa apenas a recomposição da perda.”
Para advogada Amanda Celli Cascaes, sócia do Salles Nogueira Advogados, as questões de ordem suscitadas por Salomão não poderiam ensejar a anulação de um julgamento. Mas, de fato, afirmou, elas perderam o objeto com a atualização do Código Civil, que definiu a dedução do IPCA - índice de atualização monetária que passará a ser adotado a partir de agora. “Isso resolveria a questão de ordem, pois não haverá incidência simultânea da Selic e do IPCA, além de se poder deduzir o IPCA de forma parcial do cálculo da Selic, diante de diferentes termos iniciais de incidência”, explicou Amanda.
Fonte: Valor Econômico.